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Meio ambiente
2 de maio de 2013 | Postado por Gabriela Romeu
Pelos quintais Brasis afora, a relação da criança com a natureza não é de preservação. É de simbiose. Para as muitas infâncias brasileiras, o ambiente é meio. É o meio fundamental para o exercício de ser criança.
Em quintais de cidadezinhas mineiras onde os pequizeiros se espalham sem medo, meninos e meninas se perdem entre seus galhos. Do pequizeiro pulam para o jatobá em busca do fruto saboroso que tinge os dentes de verde. Quem passa desavisado por ali provavelmente nem avistará os meninos-galhos, tamanha é a simbiose entre árvore e criança.
São muitos os exemplos da árvore-brinquedo. As mangueiras dão a sombra para brincar de roda nos quintais. E, se coquinhos caem do pé, eles viram munição para uma guerrinha pelas ruas. Também caídas, as sementes de uma das espécies do jacarandá têm um formato de faquinha e vão parar nas brincadeiras de casinha das meninas.
A água, a terra, a areia, as sementes, os caroços, as folhas e as plantas também são matéria-prima usada nos brinquedos feitos pelas crianças, que os misturam com pneus, chinelos de borracha, tampas de achocolatados, aros de bicicleta e outros restos do cotidiano encontrados pelos quintais. A natureza e a vida dão a liga, são a essência para meninos e meninas se conectarem com o mundo à sua volta.
Quando essas crianças chegam às escolas, até naquelas das zonas rurais, o discurso do educador é de preservação, soando de modo dissonante da realidade da infância que vive a urgência do hoje – quem inventou essa história de que “criança é o amanhã”?.
Claro que a Terra requer ações conscientes que projetem o seu (nosso) futuro, mas as crianças deixam claro que a sintonia com o futuro tem que começar já, hoje. E de verdade. Não vale o professor apenas inventar uma oficina para fazer “coisas com garrafa PET” como se isso só fosse despertar um sentimento de cuidado com o planeta.
Acompanhada da jornalista Marlene Peret e do fotógrafo Samuel Macedo, parceiros do projeto Infâncias, vi algo parecido lá no Vale do Jequitinhonha. Nas ruas e nos quintais, as crianças vinham ávidas apresentar seus brinquedos feitos de natureza quando perguntadas sobre o assunto. Logo surgiam petecas de bananeira, pernas de pau, bodoques, papagaios de bambu.
No ambiente escolar, o mesmo chamado obtinha resultado muito diferente: os brinquedos não tinham a força da vida que nascia dos quintais. De certa forma, os brinquedos feitos na escola lembravam trabalhos das aulas de artes dadas à reprodução (sem espaço para a criação), anunciando que a escola estava desconectada da vida – da vida nos quintais.
Nesse diálogo com as crianças pelos quintais do Brasil, ficam muitas lições. Uma delas é que as crianças têm muito o que nos ensinar quando o assunto é natureza. Basta permitir que o ambiente seja de fato o meio para a infância.
Texto Gabriela Romeu*
Foto Samuel Macedo
* Texto originalmente publicado no Comkids Green – Relato e Reflexões, resultado de um encontro realizado no Sesc Vila Mariana, em São Paulo, que discutiu as relações entre infância, audiovisual e meio ambiente e que teve a participação do projeto Infâncias. Leia mais aqui.