Infâncias xinguanas

Em junho de 2015, viajei com o fotógrafo Samuel Macedo à Amazônia paraense levando na bagagem a exposição itinerante Quintais do Xingu, fruto de duas pesquisas realizadas pelo Infâncias ao longo de 2012. A mostra reuniu 46 fotografias estampadas em suportes circulares, similares a bambolês, sobre as diversas infâncias xinguanas, como a dos povos indígenas Arara, Asurini, Araweté e Xikrin, além das comunidades ribeirinhas de Vila Nova, município de Souzel, e Açaizal, periferia de Altamira.

Assim que desembarcamos em Altamira, seguimos para o primeiro destino, a aldeia Bakajá do povo Xikrin. A bordo de uma voadeira com o experiente piloto, Seu Nelson, e o assistente Rodrigo, navegamos por dois dias pelos rios Xingu e Bakajá. Lá, fomos recebidos calorosamente pelos Xikrin, que ajudaram a desembarcar toda a bagagem.

A exposição foi montada na Casa do Guerreiro, importante espaço de conferências situado no centro da aldeia. Ali, cerca de 150 pessoas, entre adultos e crianças, puderam conferir os registros efetuados no Bakajá em 2012. Também puderam se conectar com outras infâncias do Médio Xingu.

Além da exposição, exibimos dez curtas metragens feitos pelo projeto em outras expedições pelo interior do país. Nessas exibições, que ocorriam sempre à noite, tudo era motivo de festa para as crianças. Para qualquer imagem que aparecesse no telão, gritos eufóricos de “aê “, acompanhados de boas risadas, alegraram as noites estreladas no Bakajá. Os Xikrin adoram a fotografia e o cinema, que é chamado por eles de “mekaron kabá” na língua kayapó.

De volta a Altamira, seguimos por terra para a pacata comunidade rural Ramal dos Cocos, em Vitória do Xingu, onde cerca de 280 famílias vivem da agricultura e da criação de pequenos rebanhos bovinos. Lá, fomos recebidos com festa, quadrilha de São João e muita alegria das crianças e dos professores da escola Avelina Maria da Silva.

De volta às águas, seguimos pelo rio Xingu até alcançar as terras onde vivem o povo Arara da Volta Grande. Na aldeia Terrawangã, fomos recebidos pelo Cacique Adalton, que nos levou até o patriarca da aldeia, Seu Leôncio. Logo na chegada, encontramos um cenário de guerra. Foram mais de 20 porcos selvagens mortos em uma caçada durante a madrugada. Em meio às crianças e os urubus, o rio Xingu tingiu-se de sangue. Ali mesmo, eles fizeram a limpeza e a separação do lotes de carnes para serem distribuídos entre as famílias. Sem perder tempo, Samuel efetuou diversos registros sobre o episódio.

Depois de navegar por vários dias pelo Médio Xingu, o projeto seguiu para a comunidade quilombola de Buiuçu, que fica próximo a Porto de Moz. Ali, onde rio fica largo e quase se encontra com o rio Amazonas, é preciso morar em palafitas na época das cheias. Nessa abundância de água do Baixo Xingu, que mais parece mar, fomos acolhidos por Pedro, Cilene e seus dois filhos, Percival e Decival. No Buiuçu ou comunidade São Francisco, todo quintal tem uma casa de farinha. Eles produzem uma das melhores farinhas de puba da região. Cilene, líder de uma associação quilombola, convidou outras quatro comunidades para o evento. E tudo terminou com a dança do Gambá, como é chamado o tambor que marca a cerimônia religiosa e sincretista dos quilombolas de Porto de Moz.

Mas as andanças não pararam por aí. Entre uma viagem e outra nos 40 dias dias em que permanecemos na região, Altamira foi a base da expedição. Nesses intervalos, foi possível circular com o projeto em vários bairros da cidade, como Açaizal, Aparecida, Baixão do Tufi e a lagoa do Acesso 3, no Jardim Independente. Nos trapiches que ligam uma casa a outra de uma Altamira em constante transformação por conta da usina hidrelétrica de Belo Monte, as lentes de Samuel também puderam captar a leveza e a autonomia das crianças na sua íntima e intrínseca relação com o quintal. Mas, isso é assunto para outro post, aqui mesmo, no blog do Infâncias.

(Texto: Marlene Peret)

Fotos: Samuel Macedo/Infâncias

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